10 fevereiro 2007

COVA NO ASFALTO

Caminhar, sozinho, à noite, é o momento em que você expulsa e invoca todos os seus demônios, cada passo parece que ecoa no deserto das ruas entre o pendor dos prédios e casas.Às vezes um cachorro late fazendo começar um motim de latidos por vários quarteirões, mas eles logo se cansam diante da indiferença do caminhante.

Virei uma rua um pouco inclinada, com seu horizonte tampado por galhos das arvores e a escuridão densa e fria da noite, algumas folhas fanfarronam atrás de mim, empurradas por uma brisa que não me alcançará, me fazendo ter a impressão que estava sendo seguido, olhei para trás, mesmo sabendo do que se tratava, sem parar a caminhada.

Perdi-me levemente dos meus sentidos, sentido uma realidade onde não havia distancia. Pensei ter ouvido o choro de uma criança e vários murmúrios dentro do silencio absoluto. E engolindo em seco, involuntariamente, sabia que estava invocando meus demônios, notei que involuntariamente estava segurando meu colar “das Perdas”, com a mão sobre o peito. Uma simples corrente com lembranças penduradas, a maior peça era uma plaqueta da Harley Davison e outras diversas outras pequenas, entre elas três alianças antigas, é a partida de um amigo e três amores. Eu sempre amenizava isso com uma longa caminhada de madrugada, mas agora, o barulho dos meus passos ficava cada vez mais alto em meio a silencio absoluto, apesar das batidas do meu coração ainda serem nitidamente audíveis.

Eu andava provavelmente com aquela cara preparada para ver algo estranho, uma mistura de medo e indignação que nunca se concretizava, quando avistei um vulto no meio do asfalto ainda muito longe para eu ter certeza do que estava vendo, quando foquei meus olhos, parecia uma com uma mulher de vestido marrom, totalmente em fiapos, e sua cabeça se mexia sendo jogada de um ombro para o outro.

Minhas pernas enfraqueceram, mas não pararam, meu coração disparou, a palma da minha mão antes seca por falta de umidade suava que até escorria para entre os meus dedos e minhas pernas não paravam, e eu chegando cada vez mais próximo, que até já podia imaginar sua feição, uma mulher já de meia idade esquelética olhar profundo e indiferente centrados nos meus, talvez um pouco embaçados, como se a visão já não fosse mais a mesma e ainda jogando a cabeça de um ombro para o outro como um relógio velho de ponta cabeça, e as minhas malditas pernas não paravam.

Certeza que já estava pálido e de boca aberta, mas algum instinto ainda mantinha minhas pernas bem tremulas a caminhar, talvez porque se eu parasse certamente sairia correndo na direção contraria mesmo vendo em filmes que era quase impossível fugir de fantasmas.

Tentei balbuciar um “Quem ta ai” mais não saiu nada e quando eu estava chegando um pouco mais perto, meus olhos desiludidos pela distancia, notei que era apenas um galho de uma arvore que colocaram dentro um buraco que se abriu no asfalto, ainda com algumas folhagens, para que os motoristas não passassem por cima. E mais uma peça pregada em quem muito imagina.


JOTA “Caminhante”
CAMINHOS DA MADRUGADA,

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